segunda-feira, 23 de maio de 2011

A busca pela identidade musical do Amazonas

Por Henrique Saunier 

Algo recorrente nas letras de muitos compositores no Amazonas é a temática regional. O homem ribeirinho, as tribos, os igarapés, os costumes, a culinária e diversos outros pontos parecem guiar uma vertente de composição local. Sobre essa prática, o poeta Aldisio Filgueira conhecido pela canção ‘Porto de Lenha’, tem uma opinião também controversa.
 

Foto: Reprodução


Para ele, a temática não faz nada pela música. “Se você for rimar tucunaré com igarapé, que sentido isso faz? Que língua é essa? Posso citar também os letristas das toadas de boi. Eles misturam uma porção de nome de tribos, umas do Xingu, outras andinas e outras do Baixo Rio Negro tudo em uma estrofe só. É uma coisa tipicamente produzida para turista. É algo falso, artificial”, afirma.

O poeta acredita que os artistas deveriam estudar mais música e poesia, para poder acabar com essa história de simplesmente dizer “eu sou amazonense, ou eu sou paraense”. Na visão dele, o Amazonas só vai ter uma identidade musical de fato, quando descobrir quais são as contradições do mundo e do momento em que o Estado vive.

Como forma de fugir das ‘armadilhas’ do regionalismo, o compositor Cileno adotou duas linhas de trabalho na hora de compor uma canção. Ele disse trabalhar com uma linha romântica, que fala de amor e suas várias formas, além de relacionamentos conturbados ou não. Outro viés são as questões sociais, onde Cileno costuma tratar de discriminação dos menos favorecidos e, às vezes, de temas religiosos.

Em meio a todos esses problemas e dificuldades, o artista amazonense luta diariamente para tentar “viver da música” autoral. E quando chega nessa questão, Adelson Santos consegue resumir bem o que são os músicos populares amazonense.

“Os artistas precisam se vender barato, tocando várias horas na noite por um preço irrisório. Isso pra mim é prostituição, como fazem as putas pelas esquinas de Manaus. Existem alguns lambanceiros que querem te convencer que se deram bem e estão vendendo milhares de copias”, desabafa.

Putas ou não, os músicos do Amazonas, com toda a certeza, são uma classe incansável, que buscam o profissionalismo em uma terra onde a música do sul/sudeste e do resto do mundo predomina as casas noturnas locais e os que dão a cara a tapa são obrigados a pechinchar a sua arte de mesa em mesa, nos poucos bares que ainda abrem espaço para a genuína Música Popular Brasileira... produzida no Amazonas.  



"Nosso destino acaba sendo produzir para nós mesmos" (cont.)


Mesmo com tantos percalços, ainda é possível afirmar que o músico dito popular no Amazonas goza de um reconhecimento tanto local quanto nacional? Na opinião do cantor e compositor, Cileno, o artista só é valorizado aqui no Estado depois de ser reconhecido lá fora. “O Carrapicho passou anos tocando em Manaus com ingresso a R$ 3. Depois que foi descoberto por uma gravadora francesa, o Amazonas começou a ter orgulho e pagar até R$ 50 por um ingresso”, exemplificou Cileno.

Foto: Reprodução

Segundo o músico, os exemplos que se pode citar de artistas reconhecidos são o Chico da Silva e a Eliana Printes (apesar de esta última ainda não ter espaço merecido, na opinião dele). De acordo com Cileno, essas pessoas botaram a mochila nas costas e saíram de Manaus para lutar, mas o reconhecimento não acontece da noite para o dia.

"Já viajei o Brasil todo e o máximo que passei longe de Manaus foram três meses. As vezes, isso (ser reconhecido profissionalmente) demora anos. Falta um apoio do governo para manter artistas lá fora. Tem que se fazer uma triagem mesmo. Os artistas não conseguem se manter longe do Amazonas e o nosso destino acaba sendo produzir para nós mesmos", desabafa.

Já a cantora, Lucilene Castro, é um pouco mais otimista e acredita que a música produzida no Amazonas já deu um salto muito substancial, onde alguns artistas possuem reconhecimento, sim. Para ela, o público precisa conhecer mais os artistas da sua região, e ela atribui essa deficiência a própria mídia que não os divulga.

Quando tocado o assunto do reconhecimento e por que da falta dele, fala-se muito também no papel do governo no que concerne ao incentivo de políticas públicas voltadas à produção e difusão da cultura, em especial à música. Mas fica a dúvida em até que ponto o governo deve intervir nessa questão. 

O maestro Adelson Santos disse acreditar que essa ‘história’ de governo apoiando artista é uma relação que acaba sempre em “curral eleitoral”. Ele aponta que é fácil ver artista ‘de pires na mão’ bajulando secretários de cultura para descolar um cachê. Segundo ele, quando chega nesse ponto, a função da arte perde o sentido, porque artista existe pra focar o que está escuro e denunciar os desmandos da malandragem.

A saída para isso, na visão de Lucilene Castro, é a profissionalização do artista, para que ele possa buscar outros meios para escoar sua produção, sem necessariamente esperar somente pelo poder público.

Aldísio Figueiras também critica os meios que o governo acha para ‘apoiar’ os músicos amazonenses. “Tudo que o governo pode fazer é dar dinheiro. Mas dinheiro pra quê? Nós temos que nos libertar de governo. Artista ligado a governo não serve para nada. Agora o governo tem responsabilidade sim com a cultura, mas no sentido de criar espaços como o (Liceu de Artes e Ofícios) Cláudio Santoro, por exemplo, que foi uma intervenção sadia”, complementa.



A verdadeira cara da Música Popular Brasileira ... do Amazonas (cont...)


Quando alguém pergunta sobre qual o ritmo musical característico do Rio de Janeiro, certamente a resposta será o samba. No Nordeste, poderão ser lembrados o baião, o frevo, o xote e uma infinidade de outros sons que são a marca daquela região. Agora, se fizermos a mesma pergunta aqui para o Amazonas, qual tipo de música se pode eleger como a que melhor representa o nosso Estado?

Foto: Reprodução
Os veículos de comunicação e publicações especializadas no assunto parecem ter achado a resposta, já que nos últimos anos convencionou-se rotular a produção artística de músicos e compositores em Música Popular Amazonense que ainda vem acompanhada de uma sigla, a MPA – e parece não agradar qualquer pessoa que faça música ou discuta o tema.

Uma dessas pessoas é o diretor musical e regente da Orquestra Vozes da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Adelson Santos, conhecido também por sua famosa composição “Argumento”, popular por conta de seu refrão “Não mate a mata, seu moço”.

Para Adelson, o termo MPA é pura idiotice. “(o termo) Não diz nada, não explica nada e não conceitua nada. Até porque não existe uma ‘musica popular amazonense’. O que existe, se é que existe, é uma música popular brasileira produzida no ‘reino da clorofila’”, comenta, fazendo alusão ao tema de seu estudo ‘Clorofila Nova’.

O maestro afirma ainda que a proposta de uma representação da nossa música local é simplesmente uma cópia do que já foi difundido pela mídia falada e escrita, ou, nas próprias palavras dele, o “mais do mesmo”.

E quando Adelson Santos é questionado sobre uma possível característica da nossa musicalidade, o maestro continua a disparar seus comentários polêmicos. “Alguns compositores estão querendo eleger o Beiradão como proposta representativa da nossa música popular. Não sei se esse gênero tem musculatura pra isso, pois acho pobre de melodia, de ritmo e de harmonia”, disse.

Entretanto, fazendo um grande esforço para encontrar uma característica diferenciada na música popular, Adelson cita o elemento das letras que refletem aspectos da natureza e da cultura amazonense, mas, na opinião dele, aí já é outra história, pois se trata da poesia mostrando a cara.

Já o poeta e escritor, Aldísio Filgueiras, vai um pouco além em seu comentário e afirma que “não existe essa coisa de música popular amazonense e isso é um delírio de quem fumou uma maconha errada”, diz em tom bem humorado.

Na visão de Aldísio, o que se produz, há muito tempo no Amazonas, é apenas uma diluição da Bossa Nova. Para ele, “os meninos”, como o próprio se refere aos músicos atuantes no cenário local, aprenderam a fazer muitas harmonias sofisticadas, mas esqueceram da melodia e da poesia, fazendo “letras horrorosas”.

Ele critica também o ‘produto industrial’ que é o Boi Bumbá. Na opinião do poeta, o ritmo mundialmente conhecido, principalmente pelo Festival de Parintins, é outra coisa absolutamente pasteurizada e feita para consumo imediato e hoje é algo apenas para turista.

4 comentários:

  1. Penso que o grande gargalo dessa discussão seria, a pobreza cultural de grande parte dos Amazonense. Manaus vivi uma cultura banalizada por ritmos que não condiz com a arte e a cultura que se vive e se vê em um pequeno centro (Largo de São Sebastião) onde ainda se pode viver um pouco da historia da cidade. Talvez isso seja uma discussão que fica sempre nos bastidores, ou apenas discutida e introduzida pelos intelectuais, que deveria ser mais divulgada e ter mais espaço... com voz, ritmo, COM ARTE!

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  2. Eu sempre achei que o governo deveria incentivar a cultura construir políticas para fomentar a produção musical no Estado. Mas o Aldísio me falou uma frase que me fez pensar "A GENTE TEM DE SE DESPRENDER DE GOVERNO. ARTISTA LIGADO A GOVERNO NÃO SERVE PRA NADA".

    Acho que ele tem um pouco de razão...

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  3. As ponderações feitas em seu blog são bastante apropriadas, sem a necessidade de se acrescentar algo pois retrata de forma fidedigna a cena musical de nosso Estado!Há quem procure envolvê-la(a musica) num véu de puritanismo (cretino) tratando a música regional como genuína sem levar ou ter conhecimento dos fatores culturais que a influenciam!Parabéns pelo texto inteligente!!!

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  4. As ponderações feitas em seu blog são bastante apropriadas, sem a necessidade de se acrescentar algo pois retrata de forma fidedigna a cena musical de nosso Estado!Há quem procure envolvê-la(a musica) num véu de puritanismo (cretino) tratando a música regional como genuína sem levar ou ter conhecimento dos fatores culturais que a influenciam!Parabéns pelo texto inteligente!!!

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