Na segunda parte da entrevista, Emicida fala sobre a
parceria com o Fora do Eixo, a experiência de tocar em um dos maiores festivais
de música do mundo, nos EUA, o Coachella, entre outras novidades. Imperdível. Veja, leia e se intere:
EMICIDA ::: TRIUNFO from www.noiz.com.br on Vimeo.
Como
você analisa essa parceria com o Fora do Eixo (FDE), que foi um grande
incentivador do seu trabalho de uns tempos para cá?
Na verdade acho que esta parceria com o FDE é uma
grande troca, porque o FDE me leva para lugares que não alcanço, assim como consigo
levar o FDE para pessoas que não conheciam essa iniciativa. Primeiro que
acredito na parada, e os caras acreditam em mim. Eu compreendo muito bem o formato
que a música funciona no século 21 e eles também entendem. A nossa proximidade
veio por causa dessa sinergia e da necessidade de tornar o circuito dos festivais
independentes uma coisa mais de festa. Talvez, no sentido de variar e não ter
só bandas de rock dentro do circuito. Se for ver, eu funciono meio que como um
embaixador do rap dentro do FDE,
porque levo essa informação para muita gente, eu falo para as pessoas do que se
trata, realmente faço militância para que as pessoas conheçam todo o trabalho
que a gente vem fazendo com o FDE, e entendo que esse pode ser um dos milhares
de caminhos para fazermos com que a música circule de maneira honesta no século
21.
Você
disse que sabe como a música funciona no século 21. E como o rap funciona hoje em dia?
Mano, o rap
é uma música totalmente contemporânea. Ele consegue se adaptar ao tempo em que
está vivendo de uma maneira fascinante. O rap
de 1973 era um e o de 1974 já era outro, e assim consecutivamente, porque é uma
música que bebe de várias fontes, embora haja um radicalismo por algumas partes.
Então você vai ver o que o vagabundo fazia com o soul, o funk, R&B, o jazz... Hoje, as pessoas têm um leque maior de opções: podem
misturar com baião, pop, xaxado, polca, música instrumental do leste europeu,
música indiana, samba… Temos possibilidades maiores e o rap consegue visitar tudo isso. Na temática, acredito que a gente
tem que ser menos limitado. Podemos variar e cantar sobre mais coisas, mais
temas. Acho que somos bem pobres neste sentido, apesar de que têm surgido uns
caras que conseguem abrir leques que são novos e interessantes. Por exemplo,
tem um cara aqui em São Paulo chamado (Rodrigo) “Ogi” que lançou um disco que
passeia bem por esse lance de o rap falar
de outra coisa sem ser algo chato, e ele conseguiu fazer isso de uma maneira
muito boa.
O
Criolo (Doido, rapper paulistano
parceiro de Emicida) tem umas coisas diferentes também...
(Interrompe) Mas o disco do Criolo é bem mais cantado.
Para mim, é importante que tenhamos um disco de rap cantado da forma tradicional e que seja visto com essa grandeza
aí. Mas, as pessoas precisam assimilar que um disco não precisa ser totalmente
cantado, tá ligado? Quer dizer então que se a gente quiser que um disco seja
reconhecido vamos ter que cantar, mudar a concepção de música, porque a crítica
só reconhece pessoas que cantam? Não, eles que revejam os conceitos deles. O
disco do Criolo é maravilhoso, mas é um disco cantado, ele queria fazer algo
mais pancadão mesmo. Foda são as pessoas, que acham “não, o disco do Criolo é
bom, porque ele canta”. Não, o disco do Crioulo é bom, porque ele é bom “pra
caralho”! Não é só porque ele canta, não é o primeiro cara que canta rap e consegue imprimir umas boas
melodias também. Eu acho que, politicamente, é muito importante que a gente
tenha bons discos de rap feitos da
forma tradicional, que sejam tão relevantes, mas as pessoas precisam aprender a
reconhecer o rap da maneira crua,
tradicional, e não fugir para outro argumento para não elogiar o gênero, como
fazem. Tipo “eu sou o cara que faz o rap
com jazz, com funk, com soul”. Não
cara, faço rap, misturo, mas o que eu
faço acontece já há 20 anos. O Criolo, por outro lado, bebeu de uma outra
fonte. O que tá acontecendo aqui, é que tá todo mundo fazendo rap, e as pessoas que comentam e criticam
precisam aprender a ampliar seus horizontes e reconhecer a grandeza de um disco
feito tanto com música falada quanto algo diferente.
E a
sua fonte de inspiração? Você fala muito nas suas músicas da guerra entre o
“verdadeiro” e o “falso”, a vida na rua, na favela. Como isso te influência
como artista?
Na verdade essas músicas são meio antigas, é um
pensamento meio adolescente até. Vamos falar a verdade, né? (risos). Hoje, eu
busco muito mais ser influenciado pela vida no sentido do cotidiano real mesmo:
tem coisa boa e ruim acontecendo, então, só penso em ser honesto comigo mesmo. Tento
fazer justiça aos dias que vivo. Conto coisas que já vivi, coisas que pessoas
próximas a mim viveram, coisas que eu vejo e concordo, ou não concordo. Tudo
isso entra na minha música de alguma maneira. Esse é o grande lance. A inspiração
é e sempre foi a vida, não preciso ficar olhando pro mar ou pro horizonte para
a coisa fluir. Para mim, a minha poesia estar restrita a um lugar, é muito
pobre. Eu nasci compondo em meios adversos, entende? Não tinha sequer um papel
para escrever, e agora tenho um leque maior de opções, mesmo sem precisar me
tornar refém de nada dessas coisas. Procuro me manter próximo das pessoas que
realmente me inspiram. Sou muito influenciado pela minha mãe, pelo jeito que
ela vive e vê as coisas. Pela minha filha, que me inspira muito também. A
simplicidade dessas pessoas é algo que mais me motiva a escrever.
Foto: Reprodução |
Como
foi tocar no Coachella (um dos maiores festivais de música no mundo, que
acontece anualmente na Califórnia, nos EUA)? Teve aquele problema do atraso no
voo que prejudicou sua apresentação…
(Interrompe) Não cara, não foi atraso no voo, foi
atraso na imigração “Filha da Puta dos Estados Unidos da América” (Na ocasião,
Emicida estava acompanhado de mais cinco pessoas).
O cara foi babaca e nos barrou, nos revistou, insinuou
que a gente estava com drogas. O cara foi filha da puta mesmo, tá ligado? Eles
(do departamento de imigração americano) duvidaram que éramos músicos, ficaram
dando risada dos nossos passaportes, fazendo piadinha e acabou que ficamos três
horas no aeroporto e perdemos o horário do show no Coachella. Íamos tocar no
melhor horário e acabamos tocando no pior, tudo por causa da imigração. Para
mim, foi uma oportunidade do caralho, foi um puta trampo, mas fiquei decepcionado
por causa da burocracia da imigração. Eles deram um visto de apenas três dias!
O Departamento de Imigração dos Estados Unidos ridicularizou a gente com um
visto de apenas três dias, para humilhar mesmo.
E a
plateia que assistiu o show?
Foi pequena, chutando alto, tinham 50 pessoas. Mas nós
tocamos em Los Angeles, fizemos outros shows, que foram “da hora”, foram
grandes, até. Claro, não foram megashows, mas a plateia teve uma boa recepção,
o que nos deixou bem feliz. Mas se fosse só pelo show do Coachella, a gente
teria voltado bem triste, porque a imigração realmente fez esse sonho se tornar
bem menos bonito.
O
que você pode adiantar sobre esse CD e documentário que estamos esperando, o
“The Rise of Emicida”?
O “The Rise of Emicida” é um conglomerado das coisas
que temos feito, nesse sentido de lançar a ascensão mesmo, mostrar que um dia a
gente tá tocando num barraquinho no Cachoeira, e agora estamos conquistando o
mundo. Então, o CD vai passar essa informação para as pessoas, por uma ótica
interna, mostrando como as coisas ocorrem, a repercussão e a proporção das
coisas.
E o
CD em parceria com a Macaco Bong, vai sair?
Na verdade eu preciso estudar mais isso, porque quero
participar com uma bagagem maior, musicalmente falando. Acredito que este
trabalho tem um potencial muito grande e ainda me sinto pequeno, por isso
preciso estudar para me tornar grande; é o que tenho feito. E aí sim, vou
entrar em estúdio com a Macaco Bong e poder contribuir da maneira que acredito
que a música deles merece.
Confira o vídeo sobre a Noite Fora do Eixo em Manaus com Emicida.
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