quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"O rap é completamente contemporâneo"

Por Victor Affonso

Talvez você não tenha ouvido falar de Leandro Roque de Oliveira, mais um moleque nascido e criado em Cachoeira, Zona Norte de São Paulo, hoje com 25 anos, nem das dificuldades que ele passou ao longo de sua vida, quando foi de pedreiro até vendedor de rua. Mas com certeza já ouviu falar no Emicida, músico responsável por reinventar o rap nacional e trazer este gênero novamente à tona, o que lhe rendeu o apelido de “Leonardo da Vinci do rap”.
Na verdade, Leandro e Emicida são a mesma pessoa, o que diferencia os dois é a fama. “Isso não me assusta”, retruca o rapper, falando do sucesso repentino – seu primeiro single foi lançado apenas três anos atrás, e hoje o clipe desta mesma música conta com quase 2 milhões de acessos no Youtube. “Sou viciado na batalha, nada me intimida”, garante, com o sotaque paulista carregado de “manos”, “tá ligados” e “demorôs”, gírias que a selva de concreto lhe ensinou ao longo destas duas décadas e meias de aprendizagem, como ele mesmo define.
Mas, nem por isso ele é menos do que os outros músicos. “Essa é a minha realidade”, afirma, durante entrevista para a INTERA, uma semana antes de seu primeiro show em Manaus, que acontece neste sábado, dia 6, na Noite Fora do Eixo, no República Oficial.
Emicida também falou sobre os novos projetos - um em parceria com a Macaco Bong -, como a indústria da música funciona no século 21, a infantilidade em suas músicas; e outra parceria com o Fora do Eixo e o porquê de sua apresentação no festival Coachella ter sido um fiasco.

Foto: Reprodução
Dia 31 (de julho) teve o lançamento do seu novo EP, gravado com os produtores americanos Beatnick e Ksalaam (que já trabalharam com nomes como Nas e Commom). Como foi isso?
Isso aí nasceu porque nós cantamos uma música dos caras sem a autorização deles, e aí procuraram a gente e acabamos conversando. Eles acharam o som muito bom e íamos fazer um single juntos, mas achamos melhor fazer um EP, e conseguimos produzir esse trabalho aí. Dia 31 aconteceu o lançamento desse material.

Qual o nome do EP e quantas faixas?
“Doozicabraba e a Revolução Silenciosa”. Vão ser nove faixas e uma surpresa.

Já pode adiantar o que vai ser a surpresa?
A surpresa é a surpresa, né mano?!

E o show em Manaus, vai ser baseado neste novo trabalho?
Também. Vai ter coisa do EP, assim como coisas de trabalhos anteriores… Manaus é um lugar que a gente nunca foi, então, vamos ter que montar um show bem completo.

Aqui a cena do rap não é muito forte. Você já ouviu alguma coisa de Manaus quanto a isso?
Não. Uma vez eu vi um vídeo de uns caras que cantavam. Era uma rapaziada meio indígena, mas não era legal. Acabei não conhecendo outras coisas. O único contato que tive com o rap de Manaus foi esse, que não achei muito maneiro. Mas, principalmente hoje, as informações estão circulando muito rápido, então acredito que deva ter sim (grupos bons em Manaus). É uma cultura muito louca, então é natural que tenha umas paradas mais diferenciadas.

Falando em informações circulando rapidamente, seu vídeo mais visualizado, “Triunfo”, já tem quase dois milhões de acesso no Youtube. Você acha que a Internet é um grande responsável pelo seu sucesso?
Cara, acho que o maior responsável pelo meu sucesso é o trampo sério. A Internet é só uma das ferramentas que a gente usa. Obviamente, conseguimos alcançar mais pessoas, ter suas obras disponíveis para elas as encontrarem na hora que procurarem. É uma vantagem muito boa, mas não vou tirar o valor de acordar cedo e estar no escritório todo dia de manhã, isso ainda é o que faz a coisa andar.

E como é estar onde você está hoje? O seu primeiro single foi só há três anos, como você descreve essa ascensão tão rápida?
Na verdade, meu primeiro single foi há três anos, mas eu faço isso desde 1999; desde 2006 que venho fazendo esse trabalho mais sério. A fama não me assusta não. Tenho uma meta muito distante, então, tento nem pensar nisso hoje. Entrei num circuito de pensamento e fluxo de ações que eu só trabalho, quer dizer, eu não trabalho, eu vivo! Já está interiorizado no meu ser, o jeito que vivo. Por isso, que não me assusta, nem a repercussão, nem as coisas que acontecem. Obviamente, fico feliz, mas não breco as coisas para “ah, agora vou comemorar”. Sou viciado na batalha, eu gosto de estar no meio do trabalho, então isso é o que mais me inspira. A conquista me deixa feliz, mas o que mais me fascina é poder estar trabalhando.

Nem se sente intimidado?
Nem me sinto intimidado, não tem nada que me bote medo. Trabalhei vendendo hot dog na rua, trabalhei como pedreiro, então o que vai me assustar? Parar de fazer show? O mercado dar uma estagnada? Eu já nasci no meio da crise, tá ligado? Todo mundo me dizia que não tinha mais dinheiro em lugar nenhum, e tive que aprender a tirar leite de pedra, indo fazer a coisa do meu jeito. Criei meu circuito, a forma como trabalho, e tenho achado alguns parceiros para fazer isso se potencializar. Essa é a maneira que vivo. Então, não tem porque ter um tipo de medo de alguma reviravolta. Não tenho problema nenhum em ser uma pessoa normal andando de ônibus, se isso voltar a acontecer.

Já ouvi, mais de uma vez, te chamarem de ‘Leonardo da Vinci do rap’. Como você responde a isso?
Não, sou Leandro da Vinci (risos). Sério mesmo que os caras falam isso?! Na verdade eu odeio comparação, não importa quão boa a outra pessoa seja. Esse lance de comparação limita o alcance da coisa, ela te coloca num lugar fixo, sem chance de crescer.  Falam “o Emicida é o Jay-Z brasileiro, é o Leonardo da Vinci do rap”, mas são coisas que não me apego muito. Eu entendo que para as pessoas é uma forma de me elogiar, fico grato até pela comparação no raciocínio delas, mas elogio mesmo vai ser quando as pessoas olharem para mim e falarem: “Mano, você tá parecido com o Emicida”, tá ligado? (risos).

Esse ano teve alguns clipes novos, o “Rua Augusta” e o “Então toma!”, por exemplo. Tem mais alguma coisa nova vindo aí?
Estou fazendo coisa “pra caralho”! Tem mais um vídeo pronto, de uma música chamada “Rinha”... Não sei ainda como vamos disponibilizar esse material, mas já começamos a pensar nisso. A gente vai produzir coisas do novo EP, também. Tem muita coisa para acontecer ainda. Embora o fluxo seja maior, com muita coisa acontecendo, eu estou querendo dar um breque em algumas coisas, para poder parar e montar meu álbum oficial, utilizando algumas coisas das mixtapes e dos EPs. Já rodei o país duas vezes, fui para umas cidades distantes, então, este é o momento de sentar e colocar dentro de um trabalho toda essa concepção de música que juntei ao longo dessas duas décadas e meia. 

Videoclip "Então Toma!", trabalho recente do rapper paulista Emicida.


Confira amanhã a segunda parte da entrevista com o Emicida.

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